ÉPOCA – Um dia teremos uma língua brasileira?
Castilho – Acho que sim, inevitavelmente. Eu diria que em 200 anos, muito mais pelo afastamento do português europeu do que pelo afastamento do português brasileiro. No século XVIII, os portugueses ingressaram num novo ritmo de pronúncia das palavras. Passaram a engolir as vogais muito mais do que aqui. Eles se afastam cada vez mais, e ninguém sabe a razão disso.
ÉPOCA – A internet muda a língua?
Castilho – A escrita vai se marcar pelas propriedades do meio. Isso não é espantoso. Quando Gutenberg inventou a imprensa de tipos móveis, no século XVI, a tecnologia da escrita mudou radicalmente. Desapareceu o escriba, a pessoa treinada na grafia manual. Agora vem outra mudança, com a rapidez das abreviaturas. Não adianta olhar com receio. O lado vantajoso é que os jovens estão escrevendo muito mais.
ÉPOCA – Não é uma contradição fazer uma gramática que não é para referência?
Castilho – É um trabalho paradoxal, eu tenho consciência disso. É uma gramática, mas não é normativa. É discritiva, mas é reflexiva também. Eu dou a minha opinião, mas provoco quem lê a dar a sua. É um lance meio calvinista, eu tenho uma formação protestante presbiteriana. Nela, se você quiser falar com Deus, não precisa de um despachante, de um pastor, de um padre ou de um imagem. Você fala diretamente com Ele. É o mesmo para os muçulmanos. Eu trouxe isso para a gramática. Se você precisar saber o português, estuda você mesmo. Com ela, você terá uma orientação: o que está na minha gramática é o que o povo das letras pensou sobre o assunto nestes anos todos.
ÉPOCA – Quais são as outras diferenças entre a sua gramática e as normativas?
Castilho – Ela começa pelo texto, e não pela sentença. Houve um grande avanço nos últimos anos no estudo do texto. E quando você conversa, você está produzindo um texto. Se eu começar pela sentença, estou começando pela metade. As gramáticas tratam do som, da palavra e da sentença. Mas a língua não é só som, palavra e sentença. É muito mais complicado do que isso, procurei enfrentar essa complexidade natural das letras. Isso está governando o nosso modo de produzir sentenças e de escolher as palavras e de produzir os sons.
ÉPOCA – Por que o português do Brasil se distanciou tanto da sua origem?
Castilho – O português que os portugueses trouxeram para cá com toda certeza é esse que falamos hoje. Conservamos o ritmo espaçado, o chamado português médio, última fase do português arcaico. Os portugueses vieram para cá em 1932 e começaram a colonizar o Brasil por São Vicente, depois vieram para Santo André, São Paulo e aí vieram os bandeirantes, espalhando a língua por aí. Os colonos do Brasil falavam muito como nós falamos. Os protugueses mudaram do XVIII para frente, tomaram outro rumo. Nós mudamos também.
ÉPOCA – A unificação do Acordo Ortográfico não vai um pouco contra o que o senhor estuda?
Castilho – Seria se a gente desconsiderasse as variantes. Ela admitiu as duas grafias, foi uma coisa equilibrada. Se você pensar bem, quanto menos sinais tiver, não é melhor?
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